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20 de julho de 2013

O que apenas os historiadores podem fazer? - 3

Planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica só podem ser feitos por diplomados em História

Comentário sobre o Art. 4 do Projeto de Lei 4699/2012 


     Nossa postagem anterior analisou uma das atribuições exclusivas dos diplomados em História, de acordo com o Projeto de Lei 4699/2012: apenas eles poderão organizar informações para publicações, exposições e eventos sobre temas históricos. Pessoas sem diploma em História ficarão proibidas de realizar essas atividades. Sem exceções.
     Examinamos naquela postagem, detalhadamente, o significado e consequências da proibição de que as pessoas sem diploma em História realizem essas atividades. Neste, como em outros pontos do referido projeto de lei, não se está atribuindo direitos com base na competência, mas sim em um mero título que não garante, de modo algum, competência para realizar as atribuições determinadas pelo projeto de lei.



     Nesta postagem, vamos examinar outras consequências importantes do projeto de lei sobre a profissão do historiador. De acordo com o referido Projeto de Lei:

Art. 4º São atribuições dos historiadores: [...]
III – planejamento, organização, implantação e direção de serviços de pesquisa histórica;

Como já explicamos, "atribuições dos historiadores" não são simples direitos dos historiadores: são  prerrogativas exclusivas, atividades que somente os historiadores (diplomados em História) podem exercer, e que estão proibidas às pessoas sem diploma em História. Isso fica mais claro no Parecer elaborado pelo relator do Projeto de Lei 4699/2012 na Câmara dos Deputados, o deputado Roberto Policarpo Fagundes (PT-DF):

O texto do Projeto [...] restringe o exercício da atividade aos graduados em curso superior e aos portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História e atribui-lhes, privativamente, [...] o planejamento, a organização, a implantação e a direção de serviços de pesquisa histórica [...]

     Ou seja: quem não tiver diploma em História ficará proibido, por lei, de planejar, organizar, implantar ou dirigir serviços de pesquisa histórica. Sobre qualquer assunto histórico. Sem qualquer exceção.


     É preciso compreender bem este item do Projeto de Lei. Poderiam existir duas interpretações, que vou apresentar abaixo:

     Interpretação 1:
São atribuições dos historiadores: [...]
* planejamento de pesquisa histórica
* organização de pesquisa histórica
* implantação de pesquisa histórica e 
* direção de serviços de pesquisa histórica.

     Interpretação 2:
São atribuições dos historiadores: [...]
* planejamento de serviços de pesquisa histórica
* organização de serviços de pesquisa histórica
* implantação de serviços de pesquisa histórica e 
* direção de serviços de pesquisa histórica.

     Parece-me que a segunda interpretação é a correta; a primeira interpretação, se fosse correta, faria com que este item III do Artigo 4 fosse, em grande parte, repetido no item IV (que será analisado em uma próxima postagem).
     Este item se refere à prestação de serviços remunerados de pesquisa histórica, como será explicado abaixo.


     Podemos compreender melhor o objetivo deste item das atribuições do historiador lendo com atenção a Justificação do senador Paulo Paim a este Projeto de Lei:

     O campo de atuação do historiador não tem se restringido mais à sala de aula, tradicional reduto desse profissional. Sua presença é cada vez mais requisitada não só por entidades de apoio à cultura, para desenvolver atividades e cooperar, juntamente com profissionais de outras áreas, no resgate e na preservação do nosso patrimônio histórico, mas também por estabelecimentos industriais, comerciais, de serviço e de produção artística.
     No âmbito industrial, o historiador vem trabalhando na área de consultoria sobre produtos que foram lançados no passado, para análise de sua trajetória e avaliação sobre a viabilidade de seu relançamento no mercado consumidor, ou ainda, para o estudo das causas de seu sucesso ou fracasso. 
     Pelas suas qualificações, o historiador é imprescindível para os estabelecimentos do setor de turismo, que contratam seus serviços para desenvolver roteiros turísticos para visitação de locais com apelo histórico e cultural. 
     Entidades públicas e privadas recorrem ao historiador para recolherem e organizarem informações para publicação, produção de vídeo e de CD-ROM, programas em emissoras de televisão, exposições, eventos sobre temas de história. 
     Não menos valiosa é a sua colaboração nas artes, onde o historiador faz pesquisa de época para os produtores de teatro, cinema e televisão, quer auxiliando na elaboração de roteiros, quer dando consultoria sobre os cenários e outros elementos da produção artística. 
     Num mundo onde a qualidade e a excelência de bens e serviços vêm se sofisticando cada vez mais, os historiadores devem ter sua profissão regulamentada, pois seu trabalho não mais comporta amadores ou aventureiros de primeira viagem. 

Prerrogativa exclusiva do diplomado em História.

     Ou seja: o objetivo do Projeto de Lei 4699/2012 é abrir novas frentes de trabalho remunerado para os historiadores... e impedir que outras pessoas façam essas atividades (já que o Projeto de Lei cria atribuições exclusivas para os historiadores). Vamos reescrever os exemplos dados pelo senador Paulo Paim, levando em conta aquilo que o PL 4699/2012 pretende instituir:
(a) Somente pessoas com diploma de História poderão planejar, organizar, implantar ou dirigir serviços de pesquisa histórica sobre produtos que foram lançados no passado, para análise de sua trajetória e avaliação sobre a viabilidade de seu relançamento no mercado consumidor, ou ainda, para o estudo das causas de seu sucesso ou fracasso. (Ninguém sem diploma de História poderá mais fazer qualquer dessas coisas.)
(b) Somente pessoas com diploma de História poderão planejar, organizar, implantar ou dirigir serviços de pesquisa histórica para os estabelecimentos do setor de turismo, que só poderão contratar os seus serviços para desenvolver roteiros turísticos para visitação de locais com apelo histórico e cultural. (Ninguém sem diploma de História poderá mais fazer qualquer dessas coisas.)

Prerrogativa exclusiva do diplomado em História.

(c) Somente pessoas com diploma de História poderão planejar, organizar, implantar ou dirigir serviços de pesquisa histórica para recolher e organizar informações para publicação, produção de vídeo e de CD-ROM, programas em emissoras de televisão, exposições, eventos sobre temas de história. (Ninguém sem diploma de História poderá mais fazer qualquer dessas coisas.)
(d) Somente pessoas com diploma de História poderão planejar, organizar, implantar ou dirigir serviços de pesquisa histórica sobre as artes, onde o historiador faz pesquisa de época para os produtores de teatro, cinema e televisão, quer auxiliando na elaboração de roteiros, quer dando consultoria sobre os cenários e outros elementos da produção artística. (Ninguém sem diploma de História poderá mais fazer qualquer dessas coisas.)

Prerrogativa exclusiva do diplomado em História.

     Há um ponto bastante curioso na redação deste item do Projeto de Lei. Somente pessoas com diploma de História poderão planejar, organizar, implantar ou dirigir serviços de pesquisa histórica... mas qualquer pessoa pode realizar os serviços de pesquisa histórica planejados, organizados, implantados ou dirigidos por um diplomado em História. Ou seja: a mão de obra para realizar a pesquisa não precisa ser constituída por diplomados em História; qualquer um pode realizar a pesquisa. Mas quem planeja, organiza, implanta ou dirige será, por lei, um diplomado em História, que poderá até terceirizar a realização da pesquisa. As pessoas que vão realizar a pesquisa histórica podem ser da área de marketing, de arte, de turismo, de museologia, arquivistas, etc. - todos subordinados a um diplomado em História.


     A justificativa apresentada pelo senador Paulo Paim para esse tipo de reserva de mercado é esta:

Num mundo onde a qualidade e a excelência de bens e serviços vêm se sofisticando cada vez mais, os historiadores devem ter sua profissão regulamentada, pois seu trabalho não mais comporta amadores ou aventureiros de primeira viagem. 

     Mas que trabalho? O de pesquisa, ou apenas o de dono de uma empresa de pesquisa histórica? Se apenas os diplomados em História sabem fazer essas atividades, por que a realização da pesquisa, em si, não é também atribuída a diplomados em História? Isso não faz sentido nenhum.
     Por outro lado, será que basta um diploma em História (em qualquer curso de licenciatura, bacharelado, mestrado ou história) para que a pessoa adquira a fantástica competência de fazer tudo o que foi exposto acima? É claro que não.


     Nenhum curso de História existente no Brasil prepara os seus alunos para serem capazes de fazer um estudo sobre produtos que foram lançados no passado, para análise de sua trajetória e avaliação sobre a viabilidade de seu relançamento no mercado consumidor, ou ainda, para o estudo das causas de seu sucesso ou fracasso. Mas o pessoal de propaganda e marketing é treinado para isso.
     Nenhum curso de História existente no Brasil prepara seus alunos para serem capazes de fazer pesquisa sobre história da arte para os produtores de teatro, cinema e televisão, para auxiliar na elaboração de roteiros, e dar consultoria sobre os cenários e outros elementos da produção artística. Mas o pessoal de arte, de literatura, de teatro, de cinema e de televisão sabe fazer isso.


     Esse item das atribuições do historiador no Projeto de Lei 4699/2012 simplesmente estabelece uma reserva de mercado para a organização, implantação e direção de empresas para prestação de serviços de pesquisa histórica - qualquer pesquisa histórica, para qualquer finalidade. Uma reserva de mercado que não tem nenhuma justificativa acadêmica ou relacionada com a competência específica de quem tem um diploma de História.

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