Pesquisar este blog

27 de agosto de 2013

Revista de História: Denise Bottmann critica o Projeto de Lei de regulamentação da profissão do historiador

Denise Bottmann critica o Projeto de Lei 4699/2013 de regulamentação da profissão do historiador, em uma reportagem de Ronaldo Pelli publicada na "Revista de História" no dia 26/08/2013.



Papel da discórdia
Projeto de lei sobre a profissão de historiador gera polêmica: uns reclamam da reserva de mercado, outros afirmam sua necessidade para regulamentação
Ronaldo Pelli

"Revista de História", 26/8/2013

No último dia 19, quando se comemora o Dia do Historiador, a tradutora Denise Bottmann levantou uma polêmica ao reforçar sua insatisfação com o projeto de lei que visa regulamentar a profissão de historiador. “Hoje é o dia do historiador (agradeçamos que ele ainda exista - está ameaçado de extinção em breve, com a ameaçada criação de carteirinha de historiador reservada apenas para quem tiver diploma em história)”, escreveu ela em sua conta do Facebook, à ocasião.

Antes que a acusem de se meter onde não é chamada, Denise pode comprovar que tem currículo de sobra para participar dessa discussão. Além de ter graduação, mestrado e doutorado inconcluso na área, e de ter dado aulas no departamento de História da Unicamp, também verteu para o português obras importantes para o campo, escritas por Robert Darnton, Peter Burke, Carlo Ginzburg, Hannah Arendt, Benedict Anderson, entre outros nomes ligados à historiografia. Aqui, a lista de obras traduzidas por Bottmann:

“Sou contra o projeto de lei pois ele investe contra a própria capacidade de reflexão histórica, parecendo julgar que a história consiste em três ou quatro dúzias de matérias que se cursam na graduação, parecendo ignorar que todos os campos de conhecimento desenvolvem estudos históricos dentro de suas áreas específicas e parecendo crer que ‘história’ consiste numa capacitação em se lidar com arquivos, documentos e fontes primárias”, acrescenta em entrevista à Revista de História.

O projeto, que agora carrega o número de 4699/2012, está na Câmara dos Deputados. Ali, ele terá de passar pelas comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania; e a de Trabalho, de Administração e Serviço Público antes de enfrentar o plenário. Após esse processo, como é praxe, deve ser ainda sancionado pela presidenta Dilma Rousseff. Se tiver qualquer emenda, o projeto volta ao Congresso. 

Em seu artigo número 3, talvez o mais polêmico, a lei afirma que “o exercício da profissão de Historiador, em todo o território nacional, é privativa dos portadores” de diploma de curso de História, no Brasil ou em instituição estrangeira, com revalidação no Brasil, ou que tenha feito mestrado ou doutorado em História.

Insatisfeita, Denise replicou na rede social outros comentários sobre a lei, inclusive publicou um endereço virtual que tem como intuito discutir o projeto. No blog, é possível ver uma carta da inglesa Royal Historical Society que condena a proposta, dizendo que ela “está causando grande preocupação internacional entre os historiadores profissionais”. Para eles, a analogia com outras profissões como psicologia ou engenharia não caberia, já que a “história não é um serviço técnico, cujos limites possam ser estritamente definidos pelas instituições de ensino superior ou outras instituições certificadoras”. “Sua livre prática é vital para o funcionamento de uma sociedade livre e saudável”, escreve Peter Mandler, o presidente da instituição. 

Outras instituições estrangeiras, como a Société d’Histoire et d’Épistémologie des Sciences du Langague, além de nacionais, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Sociedade Brasileira de História da Educação, a Sociedade Brasileira de História da Ciência e o Comitê Brasileiro de História da Arte, também se posicionaram contrárias à lei.

Esse posicionamento em massa fez a Anpuh (Associação Nacional de História) lançar uma nota oficial apoiando o projeto de lei. Para a associação, “não há a intenção de garantir privilégios indevidos para ninguém, mas, valorizar a importância da formação universitária especializada para profissionais de História”. Eles também asseguram que não “existe o propósito de controlar uma área de conhecimento que todos desejam [que] seja livre”.

Segundo a Anpuh, a lei é necessária para fornecer o arcabouço legal para se poder contratar historiadores em órgãos públicos, além de normatizar o ensino de História no Ensino Fundamental e Médio por apenas profissionais de História. “A lei não prevê Conselhos profissionais nem formas parecidas e nenhuma entidade vai controlar a profissão”, atesta o comunicado, fazendo questão de deixar claro que o projeto não implica no mercado editorial. O próprio presidente da instituição, Benito Bisso, em entrevista para a Revista de História, de julho de 2013, comentou o assunto: “É uma reivindicação muito antiga, e a Anpuh está lutando por ela. Houve muito mal-entendido”.

Os argumentos da Anpuh, aparentemente, não convenceram os seus críticos. Denise Bottmann chegou a afirmar que era “vergonhoso” termos que ser “avisados” por instituições internacionais sobre a “simples e fundamental da questão”: “história não é monopólio de ninguém”.

“Parece-me igualmente vergonhoso que as principais alegações em favor desse projeto de lei excludente e exclusivista se resumam à mais despudorada tentativa de garantir uma reserva de mercado”, afirmou ela. “Ninguém, em milênios de história, jamais teve autoridade final para dizer o que é ou não é História. E não será uma arriscada aventura parlamentar que o fará.”

Denise Bottmann

2 comentários:

  1. Se houver uma reserva de mercado, é sacanagem. Há muito tempo que se tenta fazer isso e não dá certo. a anpuh, quis monopolizar e excluir da categoria quem não fosse "professor universitário de história",portanto só os doutores é que poderiam fazer, discutir e ensinar história.Ora, quanto egoismo,quanto egocentrismo. Abaixo de doutores,só existem os merdas fazendo história. a história só pode ser feita e ensinada por doutores? Só eles tem direito a serem empregados? abaixo deles que se danem. vão estudar pra ser doutores.
    Se o projeto de regulamentação não abranger todas as classes de historiadores e ficar nas mãos apenas de uma meia duzia de doutores então deixem como está, e vamos ficar sofrendo inveja e ciúmes de jornalistas,advogados e demais aventureiros e mercenários que escrevem história, ganham rios de dinheiro e nós ficamos aqui com cara de babaca, ou melhor, de doutores babacas, lamentando tudo isso.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Prezado(a) anônimo(a),
      Há duas coisas diferentes. Uma é a reserva de mercado, que está, sim, prevista no projeto de lei. A outra é o monopólio dos doutores, que não existe no projeto de lei. O texto prevê que qualquer pessoa com diploma em história tem o direito de ser considerado um historiador (até mesmo os licenciados), e lhes atribui certos direitos exclusivos. Neste sentido, não percebo nenhuma intenção ruim da diretoria da ANPUH.

      Excluir