A principal instituição portuguesa de pesquisas sobre História das Ciências e da Tecnologia - o CIUHTC, Centro Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia - se manifestou criticando o Projeto de Lei 4699/2012 sobre regulamentação da profissão de historiador, em apoio aos pesquisadores brasileiros
Lisboa, 9 Setembro 2013
O Centro
Interuniversitário de História das Ciências e da Tecnologia (CIUHCT), composto por uma multiplicidade
de investigadores nacionais e estrangeiros, todos profissionais na área da História
da Ciência e da Tecnologia, mas oriundos das mais diversas áreas de saber, incluindo
física, química, biologia, história, matemática, arquitectura, artes e
filosofia, teve conhecimento do Projeto de Lei 4699/2012, sobre a
regulamentação da profissão do historiador no Brasil, em que se estabelece que
“(…) apenas pessoas com diploma em História (graduação, mestrado ou doutorado)
podem exercer atividades na área de história, incluindo o ensino, organizar
informações para publicações e eventos, bem como elaborar projetos, relatórios
e trabalhos sobre qualquer tema histórico.”
Tratando-se de um assunto de extrema
importância e com impacto para além fronteiras,o CIUHCT vem associar-se aos colegas
brasileiros que, não sendo diplomados em História – Ciência Social ou Humanista,
possuem legítimas competências para leccionar programas e desenvolver todas as estratégias
correntes com vista à sedimentação de práticas de investigação (projectos, avaliação
de bolsas, etc.) na área da História da Ciência e da Tecnologia.
A área da História da Ciência e da
Tecnologia tem no seu DNA uma forte componente interdisciplinar, não apenas
pelos temas que trata, eles próprios habitantes de territórios de disciplinas
diferentes, mas também pela forma como os seus quadros conceptuais e
metodológicos foram definidos pela comunidade de historiadores praticantes neste
campo disciplinar. Os debates sobre a “propriedade” da área da História da
Ciência e da Tecnologia, centrados na questão da visão internalista vs contextualista e que tiveram o seu
auge na década de 50, acabaram por definir a configuração moderna desta área,
nela imprimindo um cunho interdisciplinar que sanciona, a par da formação académica,
a prática de investigação relevante. São inúmeros os exemplos individuais e
institucionais que cristalizam esta visão da História da Ciência e da
Tecnologia. Basta olharmos para as grandes sociedades representativas desta
área – a History of Science Society (HSS), a Society for the History of
Technology (SHOT), a European Society for the History of Science (ESHS), o
International Committee for the History of Technology (ICOHTEC) – ou para instituições
de referência como o Max Planck Institute for the History of Science ou o
Centre Alexandre Koyré, para percebermos que o que define o historiador da ciência
e da tecnologia não é necessariamente a sua formação académica, mas largamente
a qualidade da sua prática de investigador reconhecido pelos pares.
Claro que é desejável que a História da
Ciência e da Tecnologia tenha uma formação específica que tenderá a afirmar-se,
em especial, ao nível pós-graduado (mestrados e doutoramentos). Será um caminho
natural, que está, aliás, a ser percorrido, que não necessita de assomos de territorialidade
e cuja pauta deve ser, antes, a qualidade da investigação.
O Centro Interuniversitário de História das
Ciências e da Tecnologia, unidade de investigação financiada pela Fundação para
a Ciência e a Tecnologia (Portugal), tem uma prática de formação e de investigação
na sua área de quase um quarto de século, nele se integrando a primeira geração
de historiadores da ciência e da tecnologia portugueses profissionais e onde
convivem investigadores de formação de base diversa, o que é considerado muitíssimo
enriquecedor e que se deseja conservar, a maioria com pós-graduação na área e
outros cujo percurso de reconhecimento se fez no terreno da investigação.
A nossa experiência que, sem falsas modéstias,
consideramos de grande sucesso, motivou-nos a escrever esta carta de apoio aos colegas
historiadores da ciência e da tecnologia brasileiros, alguns dos quais
conhecemos bem e com quem colaboramos, no sentido de não se optar por uma configuração
da área da História da Ciência e da Tecnologia por decreto, mas sim permitir
aos investigadores que nela trabalham, com base numa apreciação interpares, a
criação de filtros baseados no mérito e na qualidade da investigação.
Ana Simões
Professora Associada com Agregação, FCUL
Coordenadora CIUHCT e Coordenador CIUHCT -
Pólo UL
(Universidade de Lisboa, Portugal)
Maria Paula Diogo
Professora Catedrática, FCT-UNL
Coordenadora CIUHCT - Pólo UNL
(Universidade Nova de Lisboa, Portugal)
![]() |
Ana Simões e Maria Paula Diogo, coordenadoras do CIUHCT |
http://www.ciuhct.com/
Divulgado também em:
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=89306
Nenhum comentário:
Postar um comentário