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10 de outubro de 2013

Manifesto da American Historical Association, contra o projeto de lei 4699/2012 de regulamentação da profissão de historiador

O presidente atual, o ex-presidente e a futura presidente da American Historical Association (Associação Americana de História, AHA) enviaram à Câmara dos Deputados uma correspondência alertando sobre problemas do projeto de lei 4699/2012 


"Um sistema mais aberto parece bem mais preferível do que um que exclui completamente as pessoas que não têm uma credencial muito específica. Nós entendemos que tal rigidez é necessária para cirurgiões, pilotos e assim por diante, mas é difícil elaborar um argumento semelhante para a pesquisa e ensino da História; e, na ausência de tal argumento convincente, acreditamos que qualquer regulamentação das profissões históricas deveria ser mais amplamente inclusiva do que esta lei parece ser."

A American Historical Association (AHA) é a maior e mais antiga sociedade de historiadores dos Estados Unidos, tendo sido fundada em 1884 e recebido credenciamento do Congresso em 1889. Possui atualmente cerca de 14.000 membros, que pertencem não apenas aos Estados Unidos mas a numerosos países do mundo inteiro. Um dos princípios que a American Historical Association defende é a liberdade acadêmica.

Veja o texto completo desse manifesto:


4 de Outubro de 2013

Sr. Henrique Eduardo Alves
Presidente da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados
Gabinete 539, Anexo IV
Câmara dos Deputados, Praça dos Três Poderes
CEP: 70160-900
Brasília, DF, BRASIL

A quem possa interessar,

Como alguns historiadores brasileiros solicitaram a opinião da Associação Histórica Americana (American Historical Association, AHA) sobre o Projeto de Lei 4699/2012, de regulamentação da profissão de historiadores no Brasil, estamos escrevendo para expressar nossas preocupações sobre alguns de seus aspectos.

Nós somos o atual presidente, ex-presidente imediato, e a presidente-eleita da Associação Histórica Americana, mas falamos aqui apenas por nós mesmos; o Conselho da AHA não discutiu este assunto. 

Reconhecemos e aplaudimos a intenção do projeto de lei de assegurar que apenas pessoas devidamente qualificadas deem aulas, organizem exposições e executem outras funções relacionadas à História. Reconhecemos também que promulgar regulamentos nesta área ou não promulgá-los envolve complicadas negociações entre garantir que esse trabalho seja bem feito e incentivar uma participação ampla na discussão pública e na educação.

Não há solução única ou perfeita para estas questões, e nós certamente não temos a pretensão de recomendar um arranjo institucional particular para uma sociedade com a qual nenhum de nós está intimamente familiarizado. E, é claro, também compreendemos que, numa sociedade democrática, a tarefa de legislar é uma tarefa de fazer acordos.

No entanto, existem alguns aspectos da legislação proposta que nos chocam e preocupam. Como tudo o que já aconteceu pode ser considerado parte da “história”, os limites da disciplina são intrinsecamente vagos, e muitos tipos de competências são legitimamente relevantes. Numerosas contribuições valiosas foram feitas a essa disciplina por pessoas com formação em Antropologia, Sociologia, Geografia, Literatura, Direito e assim por diante, bem como por algumas pessoas com titulação em ciências naturais, e algumas sem absolutamente qualquer diploma. Além disso, a natureza da pesquisa e da comunicação histórica é tal que permitir mais participantes no campo beneficia os que já estão envolvidos: enquanto os sapatos feitos pelo sapateiro A podem diminuir as oportunidades para o sapateiro B, uma pessoa adicional oferecendo uma perspectiva nova e esclarecedora sobre algum tópico histórico importante deveria ser uma notícia bem-vinda para os estudiosos que já estão envolvidos em analisá-lo. Mais importante ainda, a adição da voz daquela pessoa enriquece o público, que se beneficia de uma possível discussão mais vigorosa da história. A proposta de lei parece impedir pessoas sem diplomas em História de manter a maioria dos empregos nesse campo, mesmo se houver ampla evidência de que eles são capazes de dar importantes contribuições, ou se eles já o tiverem feito.

Um sistema mais aberto parece bem mais preferível do que um que exclui completamente as pessoas que não têm uma credencial muito específica. Nós entendemos que tal rigidez é necessária para cirurgiões, pilotos e assim por diante, mas é difícil elaborar um argumento semelhante para a pesquisa e ensino da História; e, na ausência de tal argumento convincente, acreditamos que qualquer regulamentação das profissões históricas deveria ser mais amplamente inclusiva do que esta lei parece ser. Conseguir essa inclusão de uma forma responsável poderá implicar em distinguir entre as funções relacionadas à História para as quais existem muitas alternativas possíveis de qualificação, em relação a um diploma em História, e as funções para as quais existem poucas ou mesmo nenhuma alternativa.

Nós esperamos que nossas observações sejam úteis para a avaliação da proposta de lei.

Atenciosamente,

Kenneth Pomeranz
University of Chicago
Presidente

Jan Goldstein
University of Chicago
Presidente-eleita

William Cronon
University of Wisconsin-Madison
Ex-Presidente imediato

(tradução: Roberto Martins)

Kenneth Pomeranz e Jan Goldstein

Veja a correspondência original, em inglês:


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